quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ADRIANO NUNES




RUDOLPH E AS GRAVATAS

                    
Rudolph amava ter gravatas.
Como todo homem que amava
Ter gravatas, muitas comprava.
De tons distintos, cores várias.
De algodão e seda importada.
Ah, quantas colecionava!


Rudolph amava ter gravatas,
Porém em nenhuma nó dava
Porque não sabia. Guardava-as
Numas caixas, enfileiradas.
Era a sua empregada Lália 
Quem os nós dava, "nós de alma",

Como falar bem costumava.
Somente Lália tais gravatas
Manuseava. Três a cada
Semana, sempre as mais baratas -
Sempre as do trabalho na fábrica!
Como o olhar de Rudolph brilhava!

Certa noite, cansado já 
Da vida, cansado da fábrica,
Resolveu nós com as gravatas
Dar. Umas às outras, atadas.
Subiu, pensativo, as escadas
Que ao segundo andar levavam.

Deixa despencar uma lágrima.
Será mesmo que Rudolph salta?
Arrependeu-se. Ao olhar para
Suas gravatas amassadas,
Ficou demais triste e com raiva. 
Ah, culpa de Lália, a empregada!

Rudolph amava ter gravatas.
Como todo homem que amava
Ter gravatas, tantas comprava.
De panos lindos, marcas várias.
Será mesmo que ainda salta?
Como o olhar de Lália brilhava

Quando dava os nós nas gravatas!
Ficou demais triste e sem nada!
Sete e dez. O alarme da fábrica 
Soa alto. As pessoas passam
Apressadas. As chances calam.
Suspenso no ar, Rudolph baila.
 
 

 Poema inédito em livro, cedido pelo autor, colhido em seu blog http://astripasdoverso.blogspot.com.br/
 
 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

DUAS VEZES EUGENIO MONTALE (1896-1981)


Poema 37

 

É difícil viver
sem fé alguma;
cada dia a notícia
de um massacre.  E nas colisões
cotidianas, descobrimos o sombrio
sinal do destino.
Mesmo os zimbórios parecem
tetos baixos,mas uma nota,
um frêmito inesperado
entre as trepadeiras, ou um
desconhecido que rebate a bola
e a partida recomeça.
É a batalha da sobrevivência.

 

É difficile vivere
senza fede alcuna;
ogni giorno una notizia
d’un massacro.  E negli incastri
quotidiani, scorgiamo Il cupo
segno del destino.
Anche le guglie sembrano
tetti bassi, ma una nota
un guizo inaspettato
tra i rampicanti, o un ignoto
battitore che rilancia la palla
e la partita ricomincia.
È la battaglia della sopravvivenza.



Poema 43

 

Somos fantoches manipulados por mãos hostis.
Não adianta ver as injustiças.
Tudo agora ruiu. Até o prodígio
se esfarela.  Os olhos estão cansados.
O último tempo da vida foi vivido.
Só nos resta a magia de um vôo
desta terra fulminada para
um outro antro, no qual afundaremos
para depois emergir com contornos esbatidos.
 

 

Siamo burattini mossi da mani ostili.
Non serve vedere le ingiustizie.
Tutto è ormai diruto.  Si sfalda
anche  il  prodígio.  Gli occhi sono stanchi.
L’ultimo tempo del vivere è vissuto.
Resta solo l’incantesimo d’un volo
da questa terra folgorata verso
un altro antro, nel quale affonderemo
per poi emergere con contorni sfumati.  
 

                            Traduções de Ivo Barroso



 
Eugenio Montale.  Diário póstumo – 81 poemas dedicados a Annalisa Cima.  Trad. introd. e notas por Ivo Barroso.  RJ/SP: Record, 2000.



 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

De A TAL CHAMA O TAL FOGO: AS ANACRONIAS (1989)


SEIS ANACRONIAS  

 

I

quanto tentei acompanhar o carme adolescente
que solfejei na porta do alumbramento
lábios que refutei por medo
na loja do mundo simples
onde nos condenamos à felicidade.

 

 
II

finjo que ali não tem o que procuro
e adiante embaraço os pés
nos cadarços dos sapatos.
mereço o tombo embora
me iluda: navio, me digo
e não calçada.

 

 
III

aquela noite te acordei e fui te arrastar
com toda volúpia
pra te dizer que o primeiro amor morreu
o segundo amor morreu
o grande amor não era
e cantar-me a tardia adolescência.
para mim.  para meus ouvidos
desabotoados.
 

 

IV

pergunto entre um significado
e o itinerário daquele ônibus
entre o esmalte das carrocerias
e o verniz das carcaças, o sono
e o deambular da espécie
rumo ao mar
lêmingues

 

 
V

na manhã – embora de estiletes
acarinho a vida: seu dorso de terciopelo
a mão vai se tornando minha
a voz zela à bocca chiusa
o adeus à terra prometida
 

 

VI

melancólico ectoplasma medusado fogo flâmula
o varredor vai acumulando palavras recolhidas
junto ao meio-fio
saio de novo para a velha manhã
bonita e desabitada de palavras
ele continua lá.  varrendo.
o ajudo – mtaadoâfperolasnoli
fora as que ficaram
mal varridas.
 
 
 

SÉTIMA ANACRONIA

poder apagar a cidade
relógios e galerias
todas as calçadas toda a memória dos passos
todos os calendários virados.
não se pode estancar a
continuidade da cidade na cidade
do homem na cidade
do homem
como se
- cadê o privilégios dos caminhos? –
fosse só atravessar e num
mesmo movimento
apagar estancar zerar
e viver como se a mentira não fosse a água
a água



 

Roberto Bozzetti. A tal chama o tal fogo.  Oficina Raquel, 2008


Marianne Von Werefkin - Cidade à noite com taberna (1880)